Sobre o Luto e a Brevidade Daquilo Que Se Estima.


Estava no quarto quando, minha irmã, chorosa, bate à porta, anunciando a morte de sua avó (temos pais diferentes). Foi um baque, ainda mais que, levemente irritadiço, antes de reparar em seu semblante, pedi que ajeitasse a voz antes de falar. No fim, é isto: a morte de um ente próximo. Tantas coisas passam pela mente, pensamentos, sentimentos, planos que já não serão mais executados, lembranças. Minha irmã costumava nos partilhar seus planos para com a sua avó, que também é íntima a nós, visto que a visitávamos assiduamente. Dizia que queria levá-la para a praia, tirá-la da favela de onde crescemos, pagar um plano de saúde melhor, diferentes experiências gastronômicas, etc. Mas, no fim, todos estes planos terão de ser adiados, para sempre, pois não há mais a “avó”, não há mais o elemento-chave. Sem ela, não faz sentido a intenção; sem ela, não faz sentido sentir o que se sente; sem ela, não faz sentido travar batalhas das quais minha irmã costumava travar com seus outros parentes; por fim, sem ela, compõe-se, agora, um vazio no peito, do qual, quem sabe, o tempo dará conta de ocupar, embora nem o tempo bastará para tirá-la de nossas memórias.

Não é a minha avó, mas fez parte das minhas memórias e foi uma pessoa da qual admirei, em vida. Dói ainda mais em mim saber da dor que minha irmã deve estar sentindo, anos-luz maior que a minha. O luto não é o mesmo para todos, embora todos lamente a perda de um ente querido.

Faz pouquíssimo tempo que fui notificado sobre seu desencarne, ainda sob o sentimento de vazio e inquietação no peito, incrédulo. Pela biologia, espera-se que a vida que se inicia, uma hora se encerra, porém, teimosamente, nunca esperaria — sequer pensaria — que perderia alguém próximo tão cedo. Na verdade, eu não esperava, e nem pensava, na ideia do desencarne. É um assunto do qual nem de relance invadia meus pensamentos cotidianos, e, por isso, pareceu tão irreal. A inquietação, o desconforto e a incredulidade são a consequência do meu despreparo quanto a expectativa em conformidade com o caminho natural das coisas, e mesmo sabendo disso, continuarei igualmente despreparado para o fim do ciclo terrestre de futuros parentes.

Diga-me: de que vale toda a vaidade, o orgulho, as conquistas vãs? De que vale, valer-se para pessoas que genuinamente não lhe estimam, pessoas que acenam quando estão à sua frente, elogiam-no, na expectativa de algo em troca? Pessoas que você permite conduzir facilmente a sua vida e o seu tempo, pessoas que só estão contigo em momentos ocasionais, como festas, trabalho ou faculdade, mas não tardarão em se afastar no primeiro indício de má conduta? Estas pessoas não tentarão te influenciar para o bem, mas tão somente absorver de você o que for do interesse delas. Usurpar do seu tempo, recursos e vontades. No momento, mostramo-nos vaidosos a pessoas que encontramos em momentos ocasionais (geralmente supérfluos e breves), mas estas mesmas pessoas não estarão a nos visitar num leito de hospital, quiçá de morte! Quem, sim, poderá lá estar, será a nossa família e parentes próximos.

De repente, eu rememoro meus comportamentos cotidianos e percebo o quão desnecessário é me mostrar de um jeito para colegas de trabalho. Se querem saber, eu não sou como vocês, não partilho das mesmas preocupações, minha vida não gira em torno dos mesmos gostos e prazeres. Sou um estranho. Ainda não me adequo aos grupos sociais próximos, ainda prefiro estar só, e ainda mantenho em meu coração o propósito de viver uma vida cujo sentido se baseia nela mesma, não no que tentam me vender ou oferecer.