Já tive muitos amigos, ou, na verdade, muitos dos quais intitulei como amigos. Eu era muito novo, então não entendia muito bem o que era um amigo de verdade, faltava-me compreensão para discernir o amigo e o colega. Confiava cedo demais, abria-me tão prematuro quanto. Elogiavam-me, chamavam-me: através destas pessoas, acreditei que eu era divertido e alguém bom para se relacionar. Fora da internet ou dentro dela, bastavam me conhecer um pouco, e logo concluíam que eu não era muito normal, e que, até certo ponto, isso era legal. Minha carência me tornou aficcionado a buscar a melhor versão do carisma que havia em mim, não por gratificação própria, mas para que aquelas pessoas não fossem embora.
Não puramente movido por mim, melhorei a minha fala; depois, melhorei a minha escrita; depois, estudei assuntos dos quais não me cativavam de verdade, assisti a coisas que não queria, li livros e contos que não me empolgavam, ouvi músicas que não condiz com o meu gosto; por fim, conheci coisas como “doramas” e “fanfics” apenas para tentar entender aqueles que diziam gostar de mim.
Os assuntos não eram sobre o que me interessava, os planos não eram o que eu queria, e sequer gostava de frequentar aqueles lugares ou ouvir aquelas ideias entediantes e infrutíferas. E mesmo assim, após tanto tempo sendo quem não sou, desenvolvendo competências para o agrado alheio, meus trabalhos se encerram no momento em que, repentinamente, vai-se perdendo o contato com aquelas pessoas. Elas somem, e, cansado, eu também. Depois que somem, pergunto-me: “De que valeram os meus esforços? Prestei-me a ouvir as músicas chatas de rock que o fulano gosta, mas ele não ouviu os boombaps que me impressionam; assisti aos doramas tediosos desta autointitulada otaku, mas não podemos conversar sobre steins;gate, solanin, omoide emanon, serial experiments lain, nem nada do que recomendei. Aprendi a gostar das coisas dos outros, mas ninguém aprendeu a gostar dos meus gostos.”
Desculpe se eu não gosto de Jojo’s Bizarre Adventure, ou de não assistir animes dublados. Não consigo chorar ouvindo Linkin Park, nem pesquiso a letra das músicas que você gosta, ou os álbuns dos artistas da moda. Eu gosto de post-punk brasileiro, gosto de boombap, gosto de me deslocar para o trabalho ouvindo Filipe Ret e Kamau, minha pasta de músicas é majoritariamente composta por raps nacionais e não, eu não tenho spotify, deezer, instagram, facebook e nem qualquer outra rede social além de YouTube, Telegram e Whatsapp. Não tenho opiniões sobre as polêmicas dos influenciadores de internet, sobre famosos, ou sobre tragédias acontecendo pelo mundo afora. Estou num casulo, aflito demais em decidir pelo meu futuro, enquanto minha coluna se desgasta sob o trabalho pesado que exerço numa distribuidora de materiais de construção. Não me peça por posicionamento político, nem que eu me alinhe às suas ideias de solução para a sociedade da qual fazemos parte. Não consigo pensar nestas coisas, e nem assistir a debates políticos na internet. Eu só consigo ouvir boombap, escrever textos avulsos, estudar tecnologias de nicho e focar em meu próprio futuro, independente se o presidente X, Y ou Z fizer promessas que irão tornar a minha jornada ainda mais difícil. Eu não preciso me manter antenado sobre estas coisas só porque você se mantém. Quer mudar o mundo? Mude-o, mas não me obrigue a mudá-lo com você.
Foram todos embora, as pessoas, os amigos, os colegas. Sendo honesto, não todos, mas uma quantidade suficiente para me levar ao estado emocional que me conduz a escrever estes parágrafos. De nada vale esforçar-se para os outros, mas muito valor você pode agregar ao mundo quando se dedica para si próprio e depois expõe no mundo o resultado desta dedicação. Muhammad Ali não se dedicou ao pugilismo por causa das pessoas, mas puramente por si, porque a arte marcial o cativa, o faz querer acordar cedo e se tornar cada vez melhor. O mesmo vale para o Mike Tyson, talvez enxergou no esporte a única coisa que poderia ter como propósito; o mesmo vale para Filipe Ret e Kamau, que viram no hip hop o destino viável para o engrandecimento de suas almas. Estes homens não fizeram o que fizeram pensando nas pessoas, mas, mesmo assim, o resultado de seus esforços cativaram as pessoas ao seu redor. Quem olha de longe, julga ser egoísmo, pois fizeram visando a si próprios, mas é este egoísmo que salva muitas vidas de um futuro errante e lamentável.
A vida é uma só, não compensa desperdiçá-la para o agrado dos outros. Viverei por mim, e para mim. As opiniões serão minhas, as escolhas também. Tomarei os erros e os acertos totalmente em meu peito, e, sozinho, vou colher o fruto das bençãos e maldições que cultivei com as minhas próprias mãos. E, quando, por ventura, você me ouvir dizer algo, saberá que a minha opinião não é uma cópia mal trabalhada dos pensamentos de alguém, mas uma compilação dos dados que seguramente reuni e tratei. Sou eu, uma experiência individual, curiosa e empírica.